quarta-feira, 18 de maio de 2011
A moça na chuva
O cinza é a cor do dia, triste melancolia, a moça sai à rua para mais uma rotina e aborrecida não tem como fugir das gotas da chuva fria. Tão estranho, ela pensa, como pode o paraíso se transpor em umbral? As verdades são misteriosas, como prever a intensidade da chuva? A moça vai, com passos molhados, corpo encolhido, rosto escondido. Por dentro um furacão, ninguém lhe nota, tão pouco importa, hoje a moça não é caridade, solidariedade e sim vaidade, egoísmo, ainda que ninguém lhe nota, ela não dá bola, é dona de si, aliás Si com maiúscula, hoje nem ela se suporta. A moça virou a esquina, pisou com gosto numa poça de lama, sorriu, se desfez das amarras, num latão de lixo jogou fora seus livros, outrora tão estimados, depois tirou a roupa peça por peça sem pressa, e nua rendeu-se ao poder da chuva. Caiu na lama, sentiu-se inteira, a lama não a deixava suja e sim mais pura, mexia com quem passava, convidava os que a viam para entrar na dança, os resmungos alheios diziam, louca, exibicionista, imoral, vadia. Não suportavam tamanha rebeldia, libertação e no fundo de cada um que a recriminava em palavras estava uma doída inveja de ser como ela, e esse ser como ela não é ser igual a ela, e sim ser livre, ter audácia, coragem de se despir, mas as invisíveis correntes prendiam a multidão que a observava, essa massa de gente não tinha força suficiente para se libertar, e ela com sua arrogância de criança foi para a chuva brincar e como que por milagre a moça conseguiu ver o que ninguém via, o colorido que se esconde no frio cinza.
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